segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Visão de Clarice

Hoje completam-se 36 anos desde a morte de Clarice Lispector (1920-1977), e numa singela homenagem transcrevo o poema que Carlos Drummond de Andrade dedicou à memória da escritora

 

sábado, 30 de novembro de 2013

A Mãe Cristã - ou - O Que é Amor


 
 
O cenário que está por trás de tudo é o da cidade tipicamente brasileira com todos os seus contrários. O tempo é simplesmente o tempo, sem pararmos num ponto específico. Tudo o que sabemos sobre a passagem das horas é que em todos os lares descai as pálpebras primeiras do dia e lá pelas bandas do horizonte nasce o sol.
A mãe cristã acorda pela manhã e dá pela falta do filho. Suspira – precisa ainda dalguns momentos para se lembrar daquilo que jamais vai esquecer: o filho havia sido morto há tempos. Então a mãe cristã ora ao senhor deus para que ele, em sua grandessíssima omnipotência, mude a vida do rapaz que matara o filho. Depois vai à vida e prepara o almoço dos outros filhos, todos filhos dum mesmo deus, frutos dum mesmo ventre germinado.

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

(In)Consciência Negra


 
“Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara”.

O Livro dos Conselhos

Serei breve, não obnubilarei a mente de ninguém com meu fluxo de pensamentos: disparo rapidamente todas as balas do meu revólver, doa a quem doer.

 Sou contra o dia da consciência negra pelo menos motivo que me faz ser contra o dia internacional da mulher: o conformismo. Tudo o que quero dizer é que, ao que me parece, esta data foi criada simplesmente como pretexto para fortalecer a onda de coitadismo que inunda a sociedade; e ainda sobre um pouco de espaço para dizer o quão deprimente é termos a necessidade de haver uma data para que nos lembremos de que nossa sociedade dá os mesmos direitos à todas as pessoas, independente da cor que possuam.

domingo, 27 de outubro de 2013

Machismo para crianças - um guia prático. Ou: o lugar da mulher


Quando acreditamos estar numa sociedade livre de preconceitos, com ações de conscientização para todas as pessoas, incluindo-se ai as crianças (visto que, como diziam os antigos, e bem sabiam o que diziam eles naquele começo de mundo, é de pequenino que se torce o pepino), encontramos a imagem acima num livro didático. Na imagem, a criança deve ligar as figuras masculina e feminina às atividades com mais afinidades ao seu gênero. Com ideias como “cuspir no chão” ou “usar brincos”, a figura foi alvo de protestos de feministas (como este que vos fala) e de pessoas sem ligação nenhuma ao movimento. Todavia as atividades mais peculiares, que mais vêm sofrendo asseverações, são frases como “ajudar a limpar a casa” e “lavar a louça”, obviamente sugestionadas à figura feminina.

Em nota, a Editora Positivo deu seu parecer em resposta às admoestações que vem sofrendo: “Esclarecemos que em nenhum momento a finalidade deste exercício é impor padrões ou corroborar com estereótipos de gênero. A atividade, vale mencionar, é parte de um contexto onde o objetivo é justamente promover o debate para combater relações autoritárias e questionar a rigidez dos padrões”.

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Os Gatos... ou: por que não sou Budista


Há algum tempo atrás, uns cinco anos, eu ia a um templo budista. Sim. E confesso que me fazia um bem enorme frequentá-lo, assim como me fizeram bem todas as minhas experiências indo a centros espíritas e afins. Mas não é sobre isso que vim contar. E sobre por que parei de ir neste lugar.

Em primeiro lugar, o templo era demasiado longe de casa e eu, pobre de mim, não tinha com quem ir. Deslocar-me sozinho pelo mundo afora não era tarefa fácil, requeria uma coragem muito além da que eu tinha até então. Mesmo assim eu resisti bravamente, indo periodicamente às reuniões e seguindo os ensinamentos de Sidarta Gautama à risca.

A segunda coisa que me fez parar de ir nestas reuniões foi o preconceito. Sim: as pessoas têm preconceito com budistas, espíritas, umbandistas, e qualquer outro grupo que não se encaixe na perfeição da amável e louvável igreja do senhor deus. Bem: deixemos deus de lado, que ele, pobre diabo, não tem culpa dos nossos erros – ou talvez seja ele o principal responsáveis por tais erros, o que não vem ao caso no momento.

Mas a principal coisa que me dissuadiu de seguir em frente com os ensinamentos budistas foi o meu animal preferido: um gato. Ou melhor, milhares, centenas, dezenas de gatos. Já me explico:

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Sobre a Religião


Apesar de não ser uma pessoa religiosa e de ter opiniões conflitantes com a maioria das pessoas quando este tema (a religião) vem à tona, acredito que a religião não pode acabar. Sim, há malefícios imensos em nossa sociedade que têm como força motriz uma causa religiosa; e sei que os benefícios são tão ínfimos que não se sobrepõe à quantidade de malefícios – mas ainda há benefícios. O problema das religiões não está localizado nas próprias religiões: o problema são os religiosos. Não todos, mas os fanáticos. Não são os religiosos que atacam homossexuais, são os fanáticos; tampouco são responsáveis pela perseguição a membros de outras religiões, isso é motivado pelo fanatismo.

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Centauro (Conto)



“Quando vires um centauro, acredita nos teus olhos”

O cavalo parou. Os cascos sem ferraduras firmaram-se nas pedras redondas e resvaladiças que cobriam o fundo quase seco do rio. O homem afastou com as mãos, cautelosamente, os ramos espinhosos que lhe tapavam a visão para o lado da planície. Amanhecia já. Ao longe, onde as terras subiam, primeiro em suave encosta, como tinha lembrança se eram ali iguais à passagem por onde descera muito ao norte, depois abruptamente rasgadas por um espinhaço basáltico que se erguia em muralha vertical, havia umas casas àquela distância baixíssimas, rasteiras, e umas luzes que pareciam estrelas. Sobre a montanha, que barrava todo o horizonte daquele lado, via-se uma linha luminosa, como se uma pincelada subtil tivesse percorrido os cimos, e, úmida, aos poucos se derramasse pela vertente. Dali viria o sol. O homem largou os ramos com um movimento descuidado e arranhou-se: soltou um ronco inarticulado e levou o dedo à boca para chupar o sangue. O cavalo recuou batendo as patas, varreu com a cauda as ervas altas que absorviam os restos da umidade ainda conservada na margem do rio pelo abrigo que os ramos pendentes faziam, cortina àquela hora negra. O rio estava reduzido ao fio de água que corria na parte mais funda do leito, entre pedras, de longe em longe aberta em charcos onde sobreviviam e ansiavam peixes. Havia no ar uma umidade que prenunciava chuva, tempestade, decerto não nesse dia, mas no outro, ou passados três sóis, ou na próxima lua. Muito lentamente, o céu aclarava. Era tempo de procurar um esconderijo, para descansar e dormir.